Por Eliana Fialho Herzog.
Em 2020 vivemos momentos realmente incomparáveis. Inundados de conteúdo de qualidade, esgotados com a sobrecarga de trabalho, com ensino a distância, buscando adaptar um home office fluído, mas ao mesmo tempo disciplinado e sistemático.
Em paralelo, a agonia dos negócios quebrando, de projetos encerrados, de contratações desfeitas, de eventos cancelados, de demissões em escala.
Não tínhamos fórmula pronta para este cenário. Construímos um propalado novo normal. Aprendendo a usar como nunca a tecnologia a nosso favor. Mudando a rota para adequar projetos e prestação de serviços.
Refletindo sobre o que vivenciamos em 2020, nos questionamos: superar adversidades em meio a tão grave crise – mantendo a transparência, o cumprimento da legislação, e os princípios das empresas – é desafio extra ou pilar de sustentação?
Para alguns, desafio extra, entendimento de que não é o momento de falar em compliance e governança, que isso significa gasto extra, perda de foco…
Mas para os empresários preparados, e para os verdadeiros líderes, essa foi a grande oportunidade de mostrar a importância da governança e do compliance como pilares de sustentação e viabilidade estruturada dos negócios.
Mais do que sermos resilientes, neste ano foi preciso usar a crise para o crescimento, nos beneficiarmos com o caos, como nos ensina Nassim Taleb, na obra Antifrágil.
Uma empresa resiliente é aquela capaz de se adaptar às adversidades. Esse desafio foi imenso. Mas o antifrágil não só se adapta. Ele cresce com as adversidades, e constrói o sucesso no mundo das incertezas.
E para que isso continue acontecendo, precisamos alicerçar nosso desenvolvimento em um proposito maior, que vá além do resultado financeiro. Aceitando tentar e errar – porque não conhecemos as respostas deste novo cenário. Mas o fazendo dentro de uma estrutura de governança e compliance.
Errando e rapidamente revisando as condutas, por é isso que nos faz crescer.
Por isso inovação, transparência, propósito e responsabilidade social e empresarial são genuinamente importantes neste momento. E a capacidade de liderar nossos times dentro destes princípios e propósitos são tão imprescindíveis.
Trabalhando remotamente, precisamos mais do que nunca fomentar com o time o engajamento, o pertencimento – do contrário nossas instituições e empresas se esvaziam.
E aquelas reuniões intermináveis? O que realmente é necessário? E quanto as medidas de conformidade?
A crise está sendo uma oportunidade para reavaliarmos as condutas e rotinas das empresas. Mas não podemos permitir que se transforme em uma crise de integridade ou de fragilidade a transparência.
Difícil não pensar nas dificuldades dos gestores de saúde, especialmente os gestores públicos municipais, trabalhando na aquisição de equipamentos e insumos em situação de urgência, em tantos casos sem um suporte jurídico consistente.
Os avanços da pandemia exigiram dos governos ações rápidas, tanto para o seu enfrentamento, quanto para seus impactos socioeconômicos. Medidas que visem o atendimento à população e a mitigação do colapso do sistema de saúde, com dispensa de licitação durante a pandemia, ou recebimento de doações sem viabilidade de controle. A empresa escolhida era idônea? Isso foi aferido? Tinha os requisitos técnicos para a entrega? Efetivamente entregou? O equipamento funciona? O insumo era o adequado? O custo é justificável?
Difícil não pensar na tomada de decisões pelos gestores privados, embasadas na frágil flexibilização de várias legislações, em especial tributárias e trabalhistas. Sabemos pouco sobre o real impacto que a pandemia ensejará definitivamente ao mercado de trabalho. Algumas funções ou atividades mudaram. Outras simplesmente talvez até desapareçam.
Como não considerar a relevância do compliance neste momento? Como não realizar a tomada de decisões contando com o suporte de um comitê de crise, multidisciplinar, que consiga avaliar o cenário global e contribuir na decisão dos caminhos mais adequados para o negócio (prevenindo, detectando e respondendo às demandas).
Os riscos envolvidos na tomada de decisão estão mapeados? Que respostas serão dadas aos riscos? A propósito: revisamos o mapa de riscos institucional e as políticas de compliance? O momento, aliás, dependendo do tamanho e do objeto da sua empresa, mereceu inclusive a criação de uma política especifica para a crise.
Recentes leituras de conteúdo de qualidade me fizeram refletir sobre o que nos define. A forma como reagimos frente as crises, as adversidades, os tombos e tropeços.
E quanto as semelhanças entre a pandemia e os programas de compliance, resgatando o “fazer a coisa certa” como cultura (e não para inglês ver…)?
Impossível não enfrentar a ansiedade do pensamento de como será o futuro pós pandemia, o que nos desafia e impõe um sentimento de responsabilidade tremendo sobre as escolhas que estamos fazendo.
Os novos tempos chegaram. E é imprescindível fazermos agora as melhores escolhas possíveis, sabendo que, no futuro breve, seremos julgados pelas escolhas que fizemos hoje – pelo mal que pudemos evitar, mas, especialmente, pelo bem que deixamos de fazer.
O que poderíamos ter feito e não fizemos? O que poderíamos ter feito melhor?
Na batalha pela sobrevivência, as instituições estão sendo compelidas a se adaptar, a ousar, a ampliar sua capacidade digital, a reconfigurar suas competências.
Mas não conseguirão reagir a crise sem planejamento, estratégia, governança – do contrário estarão colocando em risco seu maior ativo: a reputação!
Então: sem desculpas! Os ventos mudaram, adapte-se, e vamos em frente – com ética, transparência, respeito e muita garra!